Opinião de Sthefanye Araújo
A 22 de março de 2022 foi publicado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, consagrando o entendimento que “No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”.
Segundo o entendimento do Douto Tribunal, ainda que o proprietário tenha cumprido as exigências previstas para o registo de estabelecimento de alojamento local, mediante comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente (nos termos e para os efeitos dos artigos 5.º do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, alterado pela Lei n.º 62/2018 de 22 de agosto) e tenha obtido o título de abertura ao público (nos termos e para os efeitos dos artigos 7.º), essa exploração será considerada como ilícita, por violação do destino estabelecido no título constitutivo da propriedade horizontal.
Esta decisão deu primazia aos interesses dos condóminos que se sentem prejudicados quanto ao sossego, a segurança, o uso e a manutenção das áreas comuns, bem como a desvalorização do imóvel. Considerou o Supremo que o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local, não contém sequer nenhuma disposição normativa que contemple a protecção dos direitos dos condóminos perante a instalação de estabelecimentos de alojamento local em fracção autónoma destinada a habitação por parte de outro condómino.
Mais, a decisão vem reforçar que a solução preconizada é perfeitamente harmoniosa com a Constituição da República Portuguesa, que reconhece a propriedade privada mas não a absolutiza em termos de impedir que o legislador ordinário limite os direitos de propriedade singular sobre as fracções autónomas, no âmbito do regime da propriedade horizontal, atenta a especificidade deste direito real, que sofre de limitações específicas ao seu exercício, como as constantes do artigo 1422.º, n.º 2, do CC, e que são justificadas pela ordem unitária do conjunto imobiliário em que essas fracções se integram.
Apesar deste Acórdão uniformizar uma questão já muito debatida em tribunais superiores, esta posição do Supremo Tribunal de Justiça gerou controvérsia, sendo considerada como factor de incremento à instabilidade do mercado imobiliário, num contexto sócio-económico de recuperação pós-pandemia, guerra e recessão económica.
Considera-se que o Acórdão Uniformizador propugna por um “ambiente de insegurança desnecessário”, pelo simples facto de “facilitar” aos demais condóminos a tarefa de pôr fim ao alojamento local praticado na fracção daquela propriedade horizontal.
Segundo Eduardo Miranda, Presidente da ALEP (Alojamento Local em Portugal), esse receio fundamenta-se na suposta prática abusiva dos demais condóminos, que por interesses pessoais, nomeadamente rixas pessoais ou chantagens, possam vir a socorrer-se do Acórdão para cessar a exploração de um estabelecimento de alojamento local numa fracção.
Meses volvidos após a publicação deste Acórdão, é possível observar alguns casos em que os empresários já têm sido notificados pelos demais condóminos a cessaram a exploração para alojamento local das frações tendo por base o acórdão. Por sua vez, segundo o Presidente da ALEP, esses casos são apenas “pontuais”.